Memórias de sangue

Pedro Simon revela que o Exército vetou a exumação de Jango

General Bethlem, do III Exército, não explicou a suspeita proibição

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O senador Pedro Simon (PMDB-RS) revelou ao jornalista Darío Pignotti, correspondente no Brasil do jornal argentino Página 12, que em 1976 o general Fernando Belfort Bethlem, comandante do III Exército, em Porto Alegre, recusou, “sem me dar nenhuma explicação? seu pedido para submeter a autópsia o corpo do ex-presidente João Goulart, cuja morte ocorrera em condições consideradas suspeitas. O jornal publicou a declaração do senador na edição desta sexta-feira, 13.

A conversa do senador com o general foi no QG do III Exército, na rua da Praia, em Porto Alegre, no dia da morte de Jango, 6 de dezembro de 1976, quando o corpo do ex-presidente ainda estava na Argentina e já havia dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. ?Esta recusa, vista hoje, após tantos anos, me provoca uma grande suspeita sobre como morreu Jango, se é verdade que o envenenaram?, disse o senador gaúcho. Na época, Simon era deputado estadual e presidente do MDB, o partido de oposição à ditadura.

Descrito pelo jornal de Buenos Aires como ?o único senador em atividade que acompanhou Goulart quando foi deposto em 1964, que discursou durante o velório de Jango em 1976 e voltou a falar na semana passa em São Borja no seu segundo enterro?, Pedro Simon lembrou que Jango era ?um grande estorvo? para a ditadura: ?Eles não queriam que voltasse nem morto. Jango era querido pelo povo, uma multidão acompanhou seu caixão quando chegou a São Borja. A multidão se amontoou, baixou o caixão do carro funerário e o levou para a igreja, desafiando aos militares que queriam enterrá-lo logo em seguida. O povo não parecia ter medo?.

Em dois encontros em Brasília com o jornalista Darío Pignotti, Simon contou que procurou o general Bethlem no QG do III Exército, hoje denominado Comando Militar do Sul, para falar sobre a necessidade de uma autópsia. ?Ao mesmo tempo, o doutor Ulysses Guimarães (presidente nacional do MDB) fez o mesmo pedido em Brasília, não recordo a quem?, disse Simon, revelando a decisão do Governo Geisel de não permitir qualquer investigação sobre a morte inesperada de Jango.

O comandante linha-dura virou ministro de Geisel

O general Bethlem, identificado com a ?linha dura? da facção mais radical do Exército, então identificado com o ministro Sylvio Frota, acabaria sendo nomeado para o cargo na crise de outubro de 1977 que confrontou Geisel e Frota e levou à demissão do ministro do Exército, desimpedindo o caminho para o candidato favorito do Palácio do Planalto, general João Baptista Figueiredo. O general Bethlem morreu no Rio de Janeiro em 2001, aos 87 anos.

A inédita informação de Simon, que o senador manteve em sigilo por 37 anos, coloca o Exército no centro das especulações que hoje envolvem a exumação dos restos de João Goulart, trazido a Brasília com honras militares, em novembro passado. Na capital, a Polícia Federal fez a coleta de amostras agora sob investigação de dois laboratórios do exterior que examinam a possibilidade de envenenamento por agentes a serviço da Operação Condor, que coordenava a repressão das ditaduras no Cone Sul.

O impacto da denúncia de Pedro Simon pode ser medida pela imediata repercussão na corte de justiça de Paso de Los Libres, que desde 1993 investiga formalmente a morte de Jango, num processo sob o comando da juíza Gladys Mabel Borda. Uma fonte do tribunal informou ao jornal Página 12 que o senador Simon deve se convidado a depor perante a corte argentina: ?Temos centenas de folhas no processo sobre a morte do ex-presidente João Goulart e nunca houve alguém que dissesse isso que disse o senador Pedro Simon. Estes fatos são muito importantes para nós?, disse a fonte ligada à juíza Borda.

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