Crise energética

Setor elétrico pede diálogo e sobe o tom com governo

Os recados dados por executivos ao governo têm explicação no momento particular vivido pelo setor elétrico brasileiro

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O governo federal precisará colocar em prática o discurso pró diálogo defendido pela presidente Dilma Rousseff caso pretenda manter o ritmo de investimentos do setor elétrico durante os próximos anos. Diante da atual falta de chuvas, da necessidade de novos projetos e da redução da rentabilidade setorial, empresários decidiram subir o tom contra o governo federal e mostraram que somente a criação de condições mais atrativas tornará possível a elaboração de uma agenda conjunta para o segundo mandato presidencial.

 

A ameaça de redução da capacidade de investimento das elétricas ficou evidente nas últimas semanas, após o anúncio da reeleição da presidente Dilma. Em diferentes teleconferências realizadas após a divulgação dos resultados do terceiro trimestre, empresários utilizaram a perda da rentabilidade comprovada em números para escancarar as dificuldades enfrentadas pelo setor. Ao mesmo tempo, elencaram diversos temas em discussão com a administração federal sobre os quais o governo poderá comprovar a intenção de dialogar.

 

“Algumas medidas têm sido debatidas no setor elétrico e são consideradas pontos importantes para consolidar boas expectativas. São definições fundamentais para que o setor possa, qualquer que seja o cenário futuro, enfrentá-lo com determinação e sustentar o crescimento econômico desejado pelos brasileiros”, afirmou o presidente da CPFL Energia, Wilson Ferreira Júnior.

 

A declaração, dada na sexta-feira passada, foi acompanhada de uma extensa lista de pontos a serem analisados pelo governo federal. Entre eles está, por exemplo, o custo médio ponderado de capital (WACC) a ser considerado no 4º ciclo de revisão tarifária das distribuidoras. O indicador, um dos itens que dimensiona a rentabilidade da atividade de distribuição no País, ficou em 7,5% no 3º ciclo e em um primeiro momento a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propôs sua redução para 7,16%. Após críticas, a agência reguladora agora cogita revisá-lo.

 

O governo federal também dá indicações de que deverá rever a proposta apresentada inicialmente a respeito do teto do preço de liquidação das diferenças (PLD). A Aneel anunciou a intenção de reduzir o limite máximo do PLD de R$ 822,83 para R$ 388,04 e ratear entre todos os agentes expostos ao mercado de curto prazo os Encargos de Serviços do Sistema (ESS). Esta segunda proposta foi duramente criticada. “Entendemos que está sendo proposta a criação de um novo encargo, e que é inaceitável fazer isso simplesmente por uma decisão da Aneel”, afirmou o presidente da Tractebel, Manoel Zaroni Torres.

 

Rentabilidade

 

Os recados dados por executivos do setor ao governo têm explicação no momento particular vivido pelo setor elétrico brasileiro. O anúncio de propostas como a medida provisória 579, convertida na lei 12.783/2013, combinada com a falta de chuvas, ocasionou a chamada “tempestade perfeita” no setor.

 

O nível dos reservatórios encolheu e o acionamento das térmicas se tornou necessário, resultando assim na elevação dos preços da energia. Para piorar, as distribuidoras ficaram expostas e por isso precisaram ser socorridas com empréstimos de quase R$ 20 bilhões neste ano. As geradoras também foram vítimas do preço mais alto da energia, já que precisaram comprar energia para revenda de forma a compensar a menor operação das hidrelétricas.

 

Essa combinação de fatores derrubou a lucratividade do setor, que agora coloca em dúvida as condições de manter o atual nível dos investimentos. Levantamento elaborado pelo Broadcast a partir dos resultados trimestrais divulgados por 18 empresas mostra que o lucro conjunto do setor encolheu 22,2% neste ano. De janeiro a setembro, o lucro líquido das 18 empresas somou R$ 5,88 bilhões, contra R$ 7,55 bilhões do ano passado.

 

Com lucro menor, as empresas tendem a reduzir a distribuição de dividendos – o que pode afetar o próprio governo federal, além de governos estaduais – e também devem se ver obrigadas a reduzir o ritmo de investimentos. Justamente em um momento no qual o setor precisa de mais projetos que aumentem a capacidade e confiabilidade do sistema, e no qual a estatal Eletrobras enfrenta mais dificuldades em se manter como um motor de desenvolvimento de novos projetos.

 

A estatal federal acumula prejuízo de R$ 1,8 bilhão até setembro e pode ser considerada uma referência dos problemas causados pela “tempestade perfeita”. A MP 579, texto elaborado pelo governo federal sem qualquer diálogo com o setor elétrico, de acordo com os empresários, reduziu a receita anual da Eletrobras em mais de R$ 8 bilhões a partir das condições impostas na renovação das concessões. Ao mesmo tempo, criou um cenário no qual a companhia é obrigada a comprar energia no mercado de curto prazo para atender contratos assinados antes da publicação da MP.

 

A importância da Eletrobras e suas controladas para o setor elétrico pode ser dimensionada pelo leilão de transmissão realizado nesta semana. Apenas quatro dos nove lotes ofertados receberam propostas, sendo que a Eletrobras (via Eletrosul) foi a vencedora de duas. Outras empresas do setor, como a Taesa, anunciaram previamente que adotarão uma postura “prudente” em relação a novos investimentos. “Só iremos participar daqueles projetos que, de forma bastante segura, vão trazer benefícios e continuar a prover os resultados que a Taesa vem apresentando”, afirmou o presidente José Aloise Ragone Filho.

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