Brasil perdeu 50 anos desde golpe de Estado, diz filho de Jango
"Estaríamos em uma situação muito diferente. Perdemos 50 anos", disse
O Brasil perdeu 50 anos desde o golpe de 1º de abril de 1964, que mergulhou o país em uma ditadura de 21 anos, porque as reformas propostas pelo então presidente, João Goulart, ainda precisam ser feitas, disse em entrevista à Agência Efe o filho do presidente deposto, João Vicente Goulart.
“Estaríamos em uma situação muito diferente. Perdemos 50 anos. É lógico que o país evoluiu, mas, se as reformas tivessem sido adotadas na época, nosso nível de desenvolvimento seria muito superior hoje”, afirmou o presidente do Instituto João Goulart, que tinha sete anos quando acompanhou o pai ao exílio.
João Vicente, que é filósofo, poeta e empresário, dedicou os últimos anos a resgatar a memória do pai, explicou que a maior parte das “reformas de base” propostas por Jango ainda não foram iniciadas.
Essas reformas estruturais, tachadas de “comunistas” por alguns e que aterrorizavam ruralistas, militares e banqueiros, foram implantadas por muitos dos grandes países capitalistas, afirmou.
Goulart explica que a reforma agrária de Jango distribuiria títulos de propriedade a 1 milhão de camponeses (“nada mais irônico do que um comunista distribuindo títulos de propriedade”), a bancária permitiria que o crédito chegasse a toda a sociedade, a tributária criaria impostos sobre as grandes fortunas e a educacional universalizaria a educação.
“Estou citando uma a uma porque nenhuma foi feita até hoje. Foram propostas 50 anos atrás e ainda são necessárias”, assegurou.
Para ele, a perda de meio século se reflete no Índice de Gini, utilizado pela ONU para medir a desigualdade, e que “está voltando agora ao nível em que estava na época de Jango”.
“Derrubaram uma constituição, depuseram um governo legítimo, implantaram uma ditadura, reduziram os salários, criaram a ideia de que o Brasil era um país imparável que vivia um milagre econômico e que o bolo estava crescendo para depois ser dividido. O problema foi que o bolo cresceu, não foi dividido e ficamos devendo a farinha e os ovos. Só agora estamos recuperando a economia e voltando ao nível de desenvolvimento da época”, disse.
João Vicente diz esperar que o Brasil aproveite os 50 anos do golpe, amanhã, para fazer uma profunda reflexão “nas universidades, nos sindicatos, nos movimento sociais” sobre as reformas que o Estado precisa fazer.
“Independentemente de estarmos em um ano eleitoral e de termos um governo de direita ou de esquerda – entre aspas – é fundamental saber que existe um gargalo para o desenvolvimento e que para superá-lo é preciso fazer a reforma do Estado, a agrária, a do seguro social”, continuou.
O filho de Jango garantiu que os militares tomaram o poder financiados por “interesses econômicos das multinacionais que não queriam as reformas para poder continuar subjugando as economias latino-americanas, que é o que acontece até hoje”.
Segundo Goulart, a sociedade brasileira não estava polarizada em 1964 como alegavam então os grandes meios de comunicação, que, analisou, ficaram do lado dos golpistas desde 1962, quando a CIA forneceu dinheiro para comprar redações, promover a instabilidade, financiar ações encobertas e escolher políticos contrários a Jango.
“Essa polarização foi fabricada, tanto que esconderam durante 40 anos uma pesquisa que atribuía a Jango 68% do apoio da opinião pública e 89% entre os setores mais pobres”, disse.
Goulart não considera tardia a homenagem que o governo brasileiro fez recentemente a seu pai ao receber seu corpo em novembro em Brasília com as honras de chefe de Estado que foram negadas pela ditadura.
“Rever a história do Brasil é um compromisso da nação. Jango é hoje um bem cultural imaterial da nação e do país, que tem uma responsabilidade com a verdade, e por isso (o governo) tem que investigar o que ocorreu com Jango, com suas propostas, com sua vida, com sua morte. É um dever investigar tudo isso”, concluiu. (EFE)